Poder-se-á dizer que todos os alunos começam o seu percurso escolar com necessidades educativas com base nos requisitos curriculares exigidos pelo início desse mesmo percurso.
Tendo em conta os níveis diferentes de conhecimentos e aptidões (capacidades) que cada um traz consigo, a resposta às suas necessidades é geralmente da responsabilidade do professor de turma. Assim, o bom professor, após três ou quatro semanas do início do percurso escolar dos seus alunos, preocupa-se com as suas necessidades educativas, orientando-os quanto à aquisição de conhecimentos (conteúdos curriculares) próprios do ano que frequenta, devendo considerar, obrigatoriamente, essas necessidades educativas, pois variam de aluno para aluno.
Tomemos, por exemplo, os alunos que iniciam o primeiro ano de escolaridade. Com certeza que uns já saberão o alfabeto, outros não. Uns poderão saber contar, outros não. Enfim, trazem consigo um conjunto de experiências e conhecimentos que os diferencia. Este tipo de necessidades, meramente centrado nas vivências dos alunos, designa-se por necessidades educativas específicas. Por outro lado, há alunos, cujas condições específicas únicas, atípicas em relação aos seus colegas, podem fazer com que o professor de turma tenha dificuldade em responder às suas necessidades.
Será nesta altura que o professor (ou pais) identifica um problema, uma necessidade exclusiva desses alunos que, casualmente, poderá constituir uma diferença significativa na sua realização académica, socioemocional, comportamental ou física, exigindo uma intervenção muito mais cuidada, centrada em apoios adicionais que tenham por base a diferenciação pedagógica. As necessidades destes alunos, cujas características próprias, capacidades e necessidades únicas apelam, eventualmente, a serviços e apoios especializados e à individualização do ensino, designam-se por necessidades educativas especiais (NEE) que, de acordo com muitos autores e investigadores se inserem num conceito mais vasto, o de necessidades especiais (NE). (Correia, 1997, 2003; Hallahan e col.,1996; Kauffman, 2002; Heward, 2006)
A quadro 1 (Correia, 1993) exemplifica bem o que pretendo dizer ao considerar três situações que permitem perceber bem a diferença entre as designações mencionadas acima. Ele foi ainda instrumental no desenvolvimento de um modelo de atendimento que Correia começou a idealizar no início dos anos 90, designando-o, mais tarde, por Modelo de Atendimento à Diversidade (MAD). O quadro 1 pretende representar, portanto, o universo de alunos numa população escolar, refletindo a importância do currículo, tido como flexível e adaptado às necessidades (específicas e/ou especiais) dos alunos, nunca esquecendo as suas capacidades e necessidades e os recursos existentes.
Assim sendo, a adequação do currículo, selecionado ou construído com base nas necessidades individuais de um aluno, é entendida como uma competência normal do professor em colaboração, se esse for o caso, com o professor de educação especial e quaisquer outros agentes educativos envolvidos na sua educação. Logo, é natural que quer os ajustamentos quer as adaptações curriculares — mais ou menos significativas — sejam entendidos num contínuo que vai desde o currículo regular, sem qualquer apoio, até a um currículo que as considere. Deste modo, as diferentes propostas curriculares para o atendimento a alunos com NE, designadamente a alunos com NEE, corresponderiam a pontos colocados algures ao longo dessa linha contínua, devendo, contudo, ter sempre por base os objetivos do currículo comum.
Considerando a proposta de Correia face à filosofia inclusiva, os educadores e professores, ao pretenderem responder às necessidades de todos os seus alunos, designadamente às dos alunos com NE, vêem-se confrontados com enormes desafios. Um dos maiores terá que ver com a introdução de “novas propostas curriculares” que se pretende a mais explícita e discriminada possível (diferenciação pedagógica). Se assim não for, muitos alunos nunca conseguirão atingir os objetivos propostos, aumentando, sem dúvida, os seus níveis de frustração e de insucesso. Neste sentido, torna-se imperativo que, tal como já o disse, se compreendam as diferenças existentes entre os alunos, para os levarmos a adquirirem o maior número de competências de acordo com as suas capacidades e necessidades. É importante, pois, que o educador ou professor se sintam minimamente à vontade para, sempre que se torne necessário, procederem a adequações curriculares consentâneas com essas mesmas capacidades e necessidades.
No caso dos alunos com NEE, esta tarefa assume uma importância extrema, traduzindo-se, na maioria das vezes, na necessidade de se efetuarem adequações curriculares mais ou menos significativas, comummente designadas por ajustamentos e adaptações curriculares, como referido acima.
Recorrendo, uma vez mais, ao esquema da quadro 1, verificamos que, numa população escolar, um número significativo de alunos (cerca de 70 a 80%) não necessitam de qualquer tipo de adequações curriculares. Cerca de 15 a 20 % de alunos (alunos em risco, com NEE e sobredotados) podem, eventualmente, necessitar de ajustamentos e adaptações curriculares pouco significativas. Finalmente, entre 5 a 10% poderão necessitar de adaptações curriculares significativas. A este último grupo de alunos, considerado na literatura como alunos com NEE significativas, é-lhes elaborado, na maioria dos casos, um programa educativo individualizado (PEI)[1]. Deste modo, fácil se torna compreender que quer o conceito de “necessidades educativas específicas” quer o de “necessidades educativas especiais”, são conceitos distintos, pese embora alguma aproximação semântica. Contudo, caso na remodelação em causa (DL 3/2008) se enverede pelo conceito de “necessidades educativas específicas”, estamos a subestimar a educação dos alunos com necessidades educativas especiais significativas, diluindo sobremaneira a sua qualidade, e relegando os seus direitos para segundo plano com as consequências que daí poderão advir, designadamente insucesso e abandono escolares. Aliás, as minhas afirmações refletem bem as palavras de Mary Warnock, investigadora e cientista brilhante, que todos conhecemos como a mentora do termo “necessidades educativas especiais” e uma defensora acérrima dos movimentos de integração e inclusão. Diz-nos ela que o conceito de inclusão, tal como é interpretado por muita gente, causa “confusão da qual as crianças são as vítimas”, penitenciando-se por só em 2005 ter chegado a esta conclusão. Diz-nos ainda que, “O ideal da inclusão brotou de corações no seu lugar”, descrevendo, contudo, a sua implementação como “um legado desastroso.” (Warnock, 2005).
[1] A proposta de alterar a designação de “programa educativo individual” para “programa educativo personalizado” não faz qualquer sentido, dado que, por um lado, semanticamente, as designações são quase idênticas e, por outro lado, ao alterar-se a designação, estamos a afastar-nos da designação internacional usada na maioria dos países ocidentais e, por conseguinte, a colocarmos entraves à literatura e investigação que formos construindo sobre o assunto.
Referências bibliográficas
Correia, L.M. (1997). Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. Porto: Porto Editora.
Correia, L.M. (2003). Inclusão e Necessidades Educativas Especiais. Porto: Porto Editora.
Hallahan, D.P., Kauffman, J.M. e Lloyd, J.W. (1996). Introduction to Learning Disabilities
(3rd ed.). Needham Heights, MA: Allyn & Bacon.
Heward, W.L. (2006). Por que razão é a educação especial importante. Educare Hoje
(Edição especial), 5, 10-11.
Hallahan, D.P., Kauffman, J.M. e Lloyd, J.W. (1996). Introduction to Learning Disabilities
(3rd ed.). Needham Heights, MA: Allyn & Bacon.
Warnock, M. (2005). Special educational needs: a new look. London: Philosophy of
Education Society of Great Britain.